Uma experiência “calorosa” em temperaturas negativas
by Prof. Nuno Resende
Entre os dias 11 e 17 de fevereiro, tive a oportunidade
única de frequentar o curso “Introdução ao Modelo Educativo Finlandês”, em
Helsínquia, no âmbito do Projeto Erasmus do colégio.
A escolha do tema em formação foi desde cedo uma motivação por si só: “Por que
é que a Finlândia está sempre no topo dos resultados de desempenho e bem-estar
do Pisa?”; “O que fará com que o sistema educativo finlandês seja conhecido
mundialmente e tão apreciado?”.
Como súmula desta experiência diria que o sucesso deste
modelo está assente em dois grandes pilares: “A preocupação evidente com
bem-estar de todos os intervenientes no sistema educativo” e “a aprendizagem
colaborativa como ferramenta para a motivação e participação dos alunos no
processo de aprendizagem”!
Durante a semana de formação foi possível perceber que o sistema de ensino finlandês surge como resposta a uma grande preocupação sentida pelos finlandeses: “Os alunos não estão satisfeitos com a escola e esta encontra-se muito “distante” da evolução em sociedade!” Foi com base nesta preocupação que surgiram as várias reformas ao longo dos anos, procurando responder de forma bastante assertiva a esta questão. Por este motivo, percebemos quão é importante para este povo que a experiência escolar seja, efetivamente, vista como a preparação de uma integração em sociedade e promotora de um bem-estar geral em sociedade. Conseguimos ver esta preocupação, de forma evidente, desde os mais novos aos universitários. Caso para dizer que “crianças/jovens felizes” farão uma “sociedade em harmonia, capacitada e competente”.
Gostaria de realçar algumas aprendizagens que se destacaram desta mobilidade, sendo uma delas, a importância que é dada à escolha de metodologias que promovam a aprendizagem cooperativa/ colaborativa reflexiva. Foi evidente, na partilha realizada e nas visitas efetuadas, que a missão do sistema educativo é proporcionar experiências com o objetivo de estimular a reflexão e o pensamento crítico dos alunos e a partilha de ideias entre eles. Para além de momentos de aprendizagem “formal/disciplinar”, onde são explorados conteúdos por disciplina, o horário dos alunos prevê momentos diários de trabalho de projeto a que denominam de “Phenomenon-based learning (PhBL) and transversal skills” (Aprendizagem baseada em Fenómenos e competências transversais). Por PhBL entenda-se uma abordagem holística da aprendizagem, em que um determinado fenómeno está no centro da exploração. Baseia-se na ideia de que os conhecimentos escolares devem ser associados a problemas da vida real, combinando conhecimentos de diferentes disciplinas. Esta metodologia ajuda a analisar vários fenómenos do mundo através das “lentes” de diferentes disciplinas. Há todo um trabalho de planificação que percorre todo o ano letivo. O exemplo que nos foi apresentado, de Jätkäsaari Comprehensive School, aborda temas como a “Construção de um Mundo/Sociedade segura”; “A interculturalidade e seus desafios”; “Histórias do mundo”; “Desafios da Natureza” e “Pensar a Ciência – pesquisa e codificação”. Este percurso formativo pressupõe pesquisa, trabalho de campo, produção de soluções criativas e apresentação do trabalho realizado. Há sempre uma abordagem pela positividade no processo, onde estão previstas várias estratégias de feedback e avaliação positiva do processo… aliás, o mais importante é mesmo o processo e o enriquecimento desta experiência do que as conclusões a que se possam eventualmente chegar.
Outra grande proposta educativa que tive oportunidade de explorar e vivenciar é a preocupação em que o modelo e currículo finlandês promova o bem-estar, ou seja, que haja uma consciente intenção em educar de forma positiva. Neste domínio, entre várias formas de estar e estratégias, destaco o projeto “See the Good”. Sob um princípio de que “o mau cuida de si próprio, o bom precisa de ser cuidado”, esta metodologia será uma das formas mais funcionais de promover o bem-estar e mostrar às crianças e aos adolescentes os seus pontos fortes, ensinando-os a utilizá-los. Assim, os pontos fortes do carácter são competências que podem ser desenvolvidas e que nos definem no nosso melhor. Além disso, ajudam-nos a lidar com as adversidades que todos nós enfrentamos inevitavelmente nas nossas vidas. A proposta é que os educadores e professores se concentrem nos pontos fortes do carácter dos seus alunos, trazendo essa força para as suas próprias vidas, uma vez que podem concentrar-se no positivo e construtivo em vez de uma negatividade exaustiva.
Não podia deixar de referir um espaço que tem tanto de imponente como impactante em toda esta experiência formativa. A Biblioteca Municipal Oodi é um “hino” no que à proposta finlandesa para a educação diz respeito! É um centro social comunitário, aberto ao público em geral, com serviços variados e com um design e tecnologia ímpares. Sendo um espaço de experimentação de um novo conceito de biblioteca, foi uma experiência que me marcou bastante pela sua grandeza pedagógica e cultural. Não estamos a falar de um espaço apenas riquíssimo pela quantidade e variada de livros, assim como o seu funcionamento automatizado, mas sobretudo pela interação das pessoas com este espaço e este conceito. O respeito, o cuidado e o “sentir-se em casa” estava patente em todos os utilizadores deste espaço. Um espaço com oferta de cafetaria, por exemplo, mas também de várias salas multimédia de reuniões (vi pessoas a jogar videojogos e outras a ter reuniões de trabalho), há estúdios para bandas tocarem, zona de aluguer de máquinas de costura, espaços de criação tecnológica, aluguer de impressoras 3D e impressões em têxtil ou criação de autocolantes… tudo bastante acessível! Vi pessoas de todas as idades, inclusive bebés e muitas crianças a explorarem o espaço com muita alegria. Muito mais haveria a dizer da Oodi, que considero um conceito que tem tudo para ser vencedor e que espelha o objetivo do modelo pedagógico finlandês.
Concluindo, a experiência formativa desta semana foi bastante impactante na minha visão pedagógica, onde certamente nem tudo será de fácil aceitação e implementação, onde senti uma proximidade grande com o respeito pela pessoa (crianças, jovens e adultos), o seu desenvolvimento pessoal e profissional, a preocupação do seu bem-estar e a forma como este pode potenciar a produtividade! Outro destaque é a preocupação em aproximar um conceito educativo ao “mundo real” e a transformação a que este está sujeito dia após dia…
Não podia deixar de agradecer a toda a equipa do Colégio, que criou as condições necessárias para que pudesse realizar esta formação (desde os colegas à Direção), assim como ao Programa de Mobilidade Erasmus da União Europeia.
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